ONG: Os bancos é que devem pagar aos credores e não o povo de Moçambique
O Comité para o Jubileu da Dívida considera que a proposta de reestruturação da dívida de Moçambique mantém o erro de obrigar os moçambicanos a pagarem dívidas secretas e que deveriam ser os bancos a compensar os credores.
"As propostas do
Governo de Moçambique significam pagamentos mais baixos durante os
próximos anos, mas ainda deixa o povo moçambicano a ter de pagar por
dívidas secretas sobre as quais não foi ouvido e das quais não recebeu
qualquer benefício", disse o economista Tim Jones.
Em
declarações à Lusa, este economista que pertence à Organização Não
Governamental contra a dívida injusta acrescentou que "os futuros
pagamentos mais elevados a partir do final da próxima década vão tirar
recursos do desenvolvimento para pagar uma dívida historicamente
ilegítima".
Comentando
a proposta apresentada na terça-feira pelo Governo de Moçambique aos
credores, em Londres, Jones defendeu que, para os investidores que
emprestaram dinheiro às empresas públicas, a única solução "é aceitaram
que as dívidas são ilegítimas e procurarem uma compensação dos bancos
que facilitaram os empréstimos e dos indivíduos que beneficiaram com os
negócios, e não ao povo moçambicano".
O
Governo de Moçambique propôs na terça-feira aos credores e investidores
na dívida pública um perdão de 50% da dívida atrasada, ou seja, 318 dos
636 milhões de dólares de dívida que já devia ter sido paga.
De
acordo com o documento apresentado aos credores em Londres, e a que a
Lusa teve acesso, Moçambique propõe um 'haircut' [perdão de dívida] de
50% nos juros passados e nas penalizações, caso existam", e alterações
às taxas de juro e à maturidade da emissão de dívida, cujo prazo inicial
terminava em 2020 e já foi alargado para 2023 no final de 2016.
As
directrizes da reestruturação, lê-se no documento, são "um cupão e
taxas de juro muito baixas até 2023, uma taxa de juro ou cupão para além
de 2023 em níveis moderados para lidar com os constrangimentos no
serviço da dívida, um 'haircut' nos juros passados e capitalização do
saldo, limitadas amortizações até 2028 e oferta de pagamentos em moeda
local aos detentores nacionais da dívida".
Na
apresentação aos investidores e credores sobre os passos que o Governo
defende para reestruturar a dívida pública, que atingiu níveis
insustentáveis para as finanças públicas moçambicanas, o executivo
propõe aos credores a opção de trocarem os títulos por um de três
instrumentos financeiros.
Em
todas elas, a maturidade é alargada em oito, 12 ou 16 anos, sendo que
nesta última será pago duas vezes por ano um cupão de 2% até ao quinto
ano e depois um de 3% entre o quinto e o décimo ano, que sobe para 6% a
partir desse ano.
Na
prática, Moçambique suaviza as prestações da dívida nos próximos anos e
aceita pagar mais no final do período, contando com as receitas do gás
natural, que deverão entrar em força a partir da próxima década.
As
organizações da sociedade civil têm acusado o Governo de falta de
transparência e pediram que o executivo prestasse informação "perante os
cidadãos através de um informe em sessão plenária na Assembleia da
República", antes da reunião em Londres, o que não chegou a acontecer.
Em causa está um rombo nas contas públicas de Moçambique, que ocorreu em 2013 e 2014.
Três
empresas públicas com negócios de fachada, segundo uma auditoria
internacional da Kroll, contraíram dívidas de cerca de dois mil milhões
de dólares (cerca de um oitavo do PIB do país à data) com base em
garantias do Estado assinadas à revelia da lei, das autoridades e dos
parceiros, naquele que ficou conhecido como o escândalo das dívidas
ocultas.
Entre
os investidores com que o Governo tem de negociar, há detentores de
727,5 milhões de dólares em títulos de dívida, que já tiveram um corte
no rendimento devido ao ‘default' (incumprimento) de Moçambique na
respectiva remuneração.
Os
detentores destes títulos (que resultam da troca por obrigações da
Ematum) recusam ser equiparados a bancos e investidores que emprestaram
os restantes 1,4 mil milhões de dólares às empresas públicas Mozambique
Asset Management (MAM) e à Proindicus.
Os
bancos que emprestaram o dinheiro foram o Credit Suisse e o russo VTB,
cuja actuação está também a ser investigada pela polícia federal (FBI) e
Ministério da Justiça dos Estados Unidos, além dos reguladores
financeiros do Reino Unido e da Suíça.
Sem comentários:
Enviar um comentário